sábado, 12 de novembro de 2011

Sem que pudessem levantar

Foi-se o dia. Passaram-se as horas. Deitado, ele, na cama, lá fora o relento. De insônia não se fazem sonhos. As estações estão mudando, e as árvores estão nuas.
Do outro lado do mundo, deitada, ela, na cama, sol a pino. Céu limpo, nuvens passageiras. De solidão, não se pensa em cores.
E ventos que os separam levam a um, a lembrança do outro. Eles, após anos, parecem se encontrar novamente na solidão. Pensamentos se cruzam, corpos não.
Passam os dias, folhas não nascem nem a chuva vem. Deitados, permanecem os dois. Um pensando no outro. Rostos que se desfizeram com o tempo. Marcas de chuva e sol em mundos distantes. Lembranças quase apagadas, pulsam agora, como sangue venoso.
Deitados, permanecem eternos. Corpos sem vida.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Recebendo visitas

E chega ela de longa viagem, sem convites formais. Toca a campainha, bate três vezes na porta, e aguarda pacientemente eu terminar de me trocar, depois de um banho que lavou minh'alma e todo o meu ser. Visto-me devagar, embora haja quem espere do lado de fora da porta. Ponho uma roupa casual, pois parece que será rotineira a sua presença. Ando até a porta. Mágico é o olho que não a vê.
Porta aberta, ela a escancara. Entra pela porta da frente de minha casa e ascende todas as luzes. Senta-se no meu sofá, liga a televisão, põe roupas confortáveis e me pede água.
Sim, já se sente em casa, a Saudade.

sábado, 20 de agosto de 2011

Pois não podiam ficar separados

Indo embora seu amor na quarta feira, pôs-se a chorar, o amante. Sentia pulsar vermelho sangue, como não se via em rosas, todas já muchas. Ia o amor pra mundo distantes, pra onde não passava o tempo de a luz percorrer distâncias. E ele, sem poder seguir a mesma estrada, dedicou-se ao amor dos últimos dias.
Guardadas as lágrimas para o momento do adeus, foi em Casa de Lembranças tentando achar aquilo que lhes fizesse lembrar um do outro, como em memória de um pássaro que voa pólos norte e sul sem esquecer o caminho e seus detalhes. Asas, porém, ele não tinha.
Educada moça lhe atendeu, e ele escolheu, dentre muitas, duas peças raras. Como se fosse uma o espelho da outra, mais que o Sol e a Lua se unindo em beijos, mais que rio e mar, se encontrando profundos.
Em pequenas letras não escreveu seu nome, nem de quem amava. Marcou com um beijo, selou com carinhos, e em bela caixinha as recolheu.
Já nasciam novamente as flores, já cantavam afinados os pássaros. Recuado como um beija-flor e chegada a hora da partida, sozinho e cheirando as flores que de suas mãos pareciam brotar, esperava ele por seu amor bastante. Brilhando o sorriso, estava feito estrela.
E no momento do último toque, pétalas de rosas brancas se espalharam pelo chão, tão forte era o abraço e entrelaços das mãos. Beijados os lábios, abriu, ele, a pequenina caixa e de lá tirou dois corações de fino metal, pendurados e unidos eternos por uma fina e delicada corrente.
Sem que houvesse tempo de se ouvir nada, e entregando as duas peças, disse ao amor, o amante: "Esse é o seu coração. Dele cuide bem, leve consigo e de mim, sempre se lembre. Este aqui, é o meu. Guarde-o também, pois levará consigo sempre. Juntos, pulsamos, nós, como um só".

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Folhas do outono não caem em dezembro

Não há nada de novo em minhas palavras. Sinto um chão enorme em baixo dos meu pés. Vejo uma estrada longa, sem divisões óbvias, sem começos, sem caminhos sinuosos.
Não há nada de novo no vento. Não há carta solta que chegue a mim. As vozes estão mudas e estações são as mesmas.
Não há nada de novo nos minutos a sós. Na eterna primavera,  as lágrimas só caem do meu olho direito, lado oposto ao coração. Sob pequena e doce gota d'água da chuva, me molho em águas que já caíram.
Não há nada de novo no tempo, as folhas são as mesmas, as rosas que brotaram em preces ao sol são as únicas.


Há tudo de novo em mim. Há o que reconstrói a estrada, que dá cor às placas apagadas, que dão direção ao movimento. Há em mim o que não há no vento. Há uma brisa morna de verão, que vem do mar e molha a terra seca. Há em mim um imenso lenço, apara a chuva que do meu olho escapa. Há em mim o que é novo. E há também o que é mais.
Mais que a distância da estrada: o tempo. Mais que o vento e a brisa: o mar inteiro. Mais que as lágrimas partidas: um completo coração.
O tempo mudou o inverno. O vento parou na primavera. As lágrimas secarão quando chegar o verão. Só as folhas de outono não caem em dezembro. O que é novo em mim, veio, ficou, inovará!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Poliamores

Tenho em meu coração todos os batimentos cabíveis. Cabem nele todos os amores possíveis. Cambem, também, os impossíveis.
Meu coração não mais se divide. São somados pedaços espalhados, são colados sentimentos partidos.
Seja, coração, o lugar de todos os afetos, de os todos os sonhos!
Seja, eu, o amado e o que ama.
Seja, eu, a soma, e tu, o universo!
Seja, eu, a busca, e tu, a esperança!
Tenho em mim todos os amores que amo, e que me tem por inteiro, sem divisões. A cada soma que mereço eu cresço, e me torno tão maior quanto se precise, pra entregar meu coração por inteiro.

Este sou eu: nu no vasto mundo, amando muitos por igual.
Permito-me amar sem barreiras. Dedico-me ao mar, sem fronteiras.
Não há o que me prenda a lugar algum, pois o que prende é de metal ferroso.
Vermelho coração só me libertará.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Voltei, volta, voltarás

Eu que fui, voltei.
Voltei descobrindo um pouco mais da fé. Um pouco mais dos deuses e dos homens. Tudo, tudo é incrível. Ouvi falar de coisas mágicas, senti um vento ventar sorrindo. Vivi momentos de ficar em pé sobre pedacinhos de nuvens formadas com gotas d'água que transpiravam de beijos molhados. Soube de mundos distantes, de pessoas maiores que gigantes. Ouvi gritos que lembravam matilha. Senti minhas lágrimas secarem sozinhas, e formarem pequenas nuvens, pequenos chuviscos.


Outros tantos ficaram.
Ouviram profetas redigirem novamente a esperança. Viram o solo encostar no céu, e fazer germinar pequeno e bastante pé de feijão. Sentiram a água gelada bebida, como em uma cachoeira que descobriu o sol há poucos instantes somente.



Outros se foram.
Para lugares no infinito, para águas mais mornas, para brancos fragmentados em cores mais vivas. Estes sentiram os dedos dedilharem pianos de calda, caldas molharem doces, doces amores se aquecerem no frio, frio e calor sublimados no tempo.


Bom mesmo é estar de volta, e sentir os braços de quem nos abraça! É bom estar de volta, e sentir a saudade em ambas portas baterem uníssonas. É bom estar de volta e sentir bater o coração somando mil amores.
Um que foi, voltou. Outros tantos ficaram. Outros foram e, quem sabe, voltarão.

domingo, 3 de julho de 2011

O tempo passou

E voltaram as lembranças
Que inquietam a alma
E trazem de volta a esperança.
O amor se fez amigo,
E um beijo apaixonante
Disse ao tempo que parasse

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Vá, saudade, vá

Com saudades estava de minhas palavras. Palavras que são minhas, por um momento apenas. As palavras são um pombo branco, e eu, o mágico, as liberto de minha cartola para o primeiro vôo.
Quando eu escrevo, sinto-me uma transmutação, uma transmissão de desejos e de sonhos. Sinto-me como uma cortina, e sinto o amor como o próprio vento.

Escrita a saudade, ela quase se vai. Porém, com saudades estou, ainda, dos meus desenhos, de desenhar. De imaginar mundos só meus, e que em preto pitam o branco papel. A vida, em escala de cinza, reclama um arco-íris, o qual imagino também.

Cores escolhidas, papel pintado. Saudade chora. O vento carrega o vapor do amor, que se condensa em gelada superfície. É o calor que se transporta. Coração frio, quentes vapores. Choques térmicos, lágrimas derramadas que mancham a pintura do papel.

Preto e branco, voltou a ser. O tempo tratou de levar as cores. Quentes e frias. Não levou consigo, porém, a saudade.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Curiosidade só matou o gato

Triste latido se ouvia quando a porta da madrugada se abria, e aos poucos, iam se apagando as luzes da triste cidade.

Lata reviradas, latidos bastantes. À luz da lua, firmavam-se os olhos sob a chuva que caía triste. Em casa de remédios fora procurar o fim de seu tormento, que ouvira rumores do feito de um gato.

Desgostoso da vida, aquele sabido cachorro, passou dias a procurar, com seu olfato invejável, o cheiro de tão precioso veneno, com o qual se matara seu amigo, o gato.
Mas não achou, porém, pois não tem cheiro a Curiosidade. Só restava agora esperar que tempo lhe fechasse os olhos.

Triste viralata. Late só, a meia noite.

terça-feira, 14 de junho de 2011

De tudo, cansei um pouco

Não sei se o velho sou eu, ou se é o mundo.
Me canso das canções e dos ventos.
Me canso da rotação do planeta, que egoísta, gira em torno de seu próprio eixo.
Me cansei dos rumores, das promessas, dos profetas.

Manhãs de domingo sem brisa, areias molhadas, mas quentes. As praias, cansei de olhar, e procurar curvas na linha do horizonte. Tardes frias, livros abertos. Páginas folhedas pelo vento, somente. Noites silenciosas, músicas interrompidas, luzes acesas e portas fechadas. Ponho-me a dormir sonos crus, pois cansei-me também de sonhar. Como viver, se de tudo, me canso um pouco?
De repente, acorda a vida na madrugada. Sorte a minha: cansei-me de me cansar.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Lembrando Narciso

Um dia eu me vi a mim. Mas não era eu.

Defronte ao espelho, eu o vi.
Nu, com todas as roupas sobre meu corpo, que o tempo passou e cuidou de cansar.
Suado, mas sem que eu visse a linha do horizonte, tão forte a chuva lá fora.
Movimentando-se, jazendo eu em pé.

O leve toque no espelho não foi preciso.
Corpo tocado por si, olhos de prazer. Eu vi, mas não era eu.

Cá do meu lado, pensei, era eu real ou era ele. Era eu que me era, ou ele que se via? E quem ele via? Eu ou ele? Era eu que pensanva, indagava... Ou ele que me lembrava?
Sim, era ele. Eu indagando, ele se adorando.
Lembramos, os dois, de Narciso.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Tostão furado

Nem fome ou luxo meu olhos viveram.
Viveram conselhos.

"Cinquenta centavos, que seja, leve consigo". São quase as palavras simples de minha vó Nanã.
Desde aquele dia, não lembro bem qual - quanto anos eu tinha não sei -, que tento seguir à risca o conselho. Mas os detalhes marcantes não são esses, que se foram.

"Rua do fundo, vassoura na mão, lenço branco cobrindo brancos cabelos. 50 centavos que fosse".
Estes destalhes, sim, ficaram guardados.
Guardanapo do tempo.

Sempre. Para aonde eu fosse. Pruma água, refresco, salgado, ou doce queimado.
Naquele tempo isso era dinheiro. Picolé, comprava aos montes. Geladinho, as montarias.

Às compras, então, eu parti.
Tarde na praça; na praça, crianças; crianças correndo por todo lugar. Lugar em que a criança era eu.
Me senti quase rico, por tão bom conselho barato.
Mas bobo, eu, e furado o bolso, tostão caiu.

Nunca mais o vi. No bolso de alguém, deve andar. Ou está guardado num cofre, parado no tempo, furado tostão!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

É tudo um ciclo

Quando um sentimento de paz invade a alma, ele vem sem mágoas. A dor acalma, a mente esvazia. Novas lembranças podem tomar o lugar antes ocupado.

Abram-se as portas e as janelas. Chamem o táxi, pois estão prontas as malas. Chaves devolvidas, trocado o cadeado, estão indo embora as lembranças que pesam.

E no fim: adeus!
O melhor de tudo é isso.
E tudo... é um ciclo...

A primeira delas

Nunca esqueci: pintei um sol de amarelo, de azul pintei o céu. Fiz como achei que devia. Para não cometer graves, que não convém a um pintador. Mão na caneta vermelha, que na época fazia medo, rabiscaram o meu papel, como se o triste tivesse que ser em escala de cinza somente.

Foi na minha primeira série. Num teste de português. O texto lido mencionava poucos fatos, menos ainda me lembro. Mas sempre lembro da professora Joelice armada com aquela caneta vermelha, riscando a orelha do papel que em tela, fiz o meu desenho, dizendo que eu não soube representar a tristeza, como se fosse um erro mortal pintá-la de azul, verde e amarelo, cores do Brasil.
Perdi pontos, ou até só décimos. Não importa. Ficou a lembrança. Nunca esqueci.

O que são?

Tempo. É o que me faz escrever. Não sua sobra, nem por tema, nem por nada. Mas o seu passar. Minhas, são lembranças que marcam, que vem, que chegam e ficam...

Ontem, quando a noite já havia se calado, mas sem que sonhasse o sol em retornar, pus-me a ler. Lembranças bobas chegaram, cobriram-me com lenços brancos, fecharam o livro que de minhas mãos caía, e antes de pra ele retornarem, apagaram, gentilmente, a luz. Dormir sonhos que não lembrei.
Bobas, as lembranças se foram.