sexta-feira, 27 de maio de 2011

Lembrando Narciso

Um dia eu me vi a mim. Mas não era eu.

Defronte ao espelho, eu o vi.
Nu, com todas as roupas sobre meu corpo, que o tempo passou e cuidou de cansar.
Suado, mas sem que eu visse a linha do horizonte, tão forte a chuva lá fora.
Movimentando-se, jazendo eu em pé.

O leve toque no espelho não foi preciso.
Corpo tocado por si, olhos de prazer. Eu vi, mas não era eu.

Cá do meu lado, pensei, era eu real ou era ele. Era eu que me era, ou ele que se via? E quem ele via? Eu ou ele? Era eu que pensanva, indagava... Ou ele que me lembrava?
Sim, era ele. Eu indagando, ele se adorando.
Lembramos, os dois, de Narciso.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Tostão furado

Nem fome ou luxo meu olhos viveram.
Viveram conselhos.

"Cinquenta centavos, que seja, leve consigo". São quase as palavras simples de minha vó Nanã.
Desde aquele dia, não lembro bem qual - quanto anos eu tinha não sei -, que tento seguir à risca o conselho. Mas os detalhes marcantes não são esses, que se foram.

"Rua do fundo, vassoura na mão, lenço branco cobrindo brancos cabelos. 50 centavos que fosse".
Estes destalhes, sim, ficaram guardados.
Guardanapo do tempo.

Sempre. Para aonde eu fosse. Pruma água, refresco, salgado, ou doce queimado.
Naquele tempo isso era dinheiro. Picolé, comprava aos montes. Geladinho, as montarias.

Às compras, então, eu parti.
Tarde na praça; na praça, crianças; crianças correndo por todo lugar. Lugar em que a criança era eu.
Me senti quase rico, por tão bom conselho barato.
Mas bobo, eu, e furado o bolso, tostão caiu.

Nunca mais o vi. No bolso de alguém, deve andar. Ou está guardado num cofre, parado no tempo, furado tostão!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

É tudo um ciclo

Quando um sentimento de paz invade a alma, ele vem sem mágoas. A dor acalma, a mente esvazia. Novas lembranças podem tomar o lugar antes ocupado.

Abram-se as portas e as janelas. Chamem o táxi, pois estão prontas as malas. Chaves devolvidas, trocado o cadeado, estão indo embora as lembranças que pesam.

E no fim: adeus!
O melhor de tudo é isso.
E tudo... é um ciclo...

A primeira delas

Nunca esqueci: pintei um sol de amarelo, de azul pintei o céu. Fiz como achei que devia. Para não cometer graves, que não convém a um pintador. Mão na caneta vermelha, que na época fazia medo, rabiscaram o meu papel, como se o triste tivesse que ser em escala de cinza somente.

Foi na minha primeira série. Num teste de português. O texto lido mencionava poucos fatos, menos ainda me lembro. Mas sempre lembro da professora Joelice armada com aquela caneta vermelha, riscando a orelha do papel que em tela, fiz o meu desenho, dizendo que eu não soube representar a tristeza, como se fosse um erro mortal pintá-la de azul, verde e amarelo, cores do Brasil.
Perdi pontos, ou até só décimos. Não importa. Ficou a lembrança. Nunca esqueci.

O que são?

Tempo. É o que me faz escrever. Não sua sobra, nem por tema, nem por nada. Mas o seu passar. Minhas, são lembranças que marcam, que vem, que chegam e ficam...

Ontem, quando a noite já havia se calado, mas sem que sonhasse o sol em retornar, pus-me a ler. Lembranças bobas chegaram, cobriram-me com lenços brancos, fecharam o livro que de minhas mãos caía, e antes de pra ele retornarem, apagaram, gentilmente, a luz. Dormir sonhos que não lembrei.
Bobas, as lembranças se foram.